quinta-feira, 16 de julho de 2009

Boa noite Azerbaijão.Reflexões de um Ilusionista Carioca/momento conclusivo.


...arrumaria uma forma do Orlando(dono do circo) me permitir usar o truque das espadas.Truque que ele tanto teme por ter sido o causador da morte de seu pai em uma apresentação no Maranhão.O pai dele era um amador.Eu não,eu tenho a sensibilidade necessária,sei prever quando vai dar merda melhor que um balão meteorológico!
A noite tem um clima meio escroto na sua terra natal depois de dois anos viajando pelo continente,vendo todo tipo de merda.Repetindo os mesmos gestos maquinalmente: botando coelho,pedindo relógios,cerrando mulheres,explodindo pombos,escolhendo pessoas da platéia para tirar as cartas e morrer de vergonha do cheiro de uísque teatcher's que exala o meu dois de paus...arf!
Entre bêbados que falam e bebadas que gemem,me encontro na porta do Azerbaijão onde Julius me recebe com um confortável aperto de mão e a porra de sua pose costumeira.Que ele adquiriu em nosso segundo ano de Tablado e que só fez ficar mais ereta,nojenta e intelectualizada depois que passou a frequentar a faculdade e "apoiar as minhas decisões" como dizia ele em relação a trupe e ao circo.Me olha de pé a testa como quem pensa qualquer porra e não diz nada até entrarmos na boite.
Sou revistado,o segurança passa o relógio no meu saco; era vagabundo porque se fosse prata de verdade, mesmo com o meu escroto eu reconheceria...
O d.j escolhia só as mais animadas.De Rihana pra Beyoncé,de Beyoncé pra Chris Brown.Vídeos exóticos sobrepunham imagens na parede,porém como sempre o Azerbaijão estava às moscas.
-essa merda deve ser dinheiro lavado.
como só eu e Július vamos lá fui conduzido a esta reflexão...
Julius pede um drink,a porra da bebida tem uma aparência tão festiva que deixa a ambos muito constrangidos.Eu vou com Jack Daniel's (dia de pagamento, neném!!!),nos sentamos e tudo faz sentido.
-Barbosa morreu.
-Monique morreu.
-Mais uísque!
-Boa música!
-Uma merda!
-Quem é mesmo Monique?
-Sei lá...morreu.
- Mais uísque!
É Botafogo e nós nem notamos.
Uma mulher continua sentada em um sofá desde que chegamos com cara de tédio.Bem tarde,um pessoal um tanto "hype-indie-estaçãobotafogo-allstar-eu também sou napoleão" começa a entrar.Meus nervos contraem.Julius não para de falar: já foi cinema brasileiro,já foi música,já foi meus pais mortos e eu sendo um irmão pra ele...havia esquecido o trabalho que dava beber com Julius.Abraços,beijos na testa e o momento das lágrimas...esse filho da puta não me solta...até que resolve tirar a entediada para dançar.O d.j sorri maliciosamente e põe um som rápido,fazendo com que Julius se esforçe com a mocinha.Oras!O cara é famoso,ele pode errar.Talvez nem tanto.Pobre Julius.
Me sento na mesa,há um rapaz que mais parece uma mulher me encarando,eu não peido de olhar...odeio esses indies e seus allstares...odeio tudo.
Julius quase cai.(disso eu até gosto)

Abre-se lentamente a porta do Azerbaijão e Ela entra.Ainda tão altiva e risonha como há cinco anos atrás,e logo em seguida como um escravo o seu namorado de um metro e meio(meio é bondade) que tem tanta personalidade quanto uma peça de dama.
Um sujeito que dançava animadinho derrubou o meu copo no chão,ao fitá-lo com profundidade subjetiva ele perde o equilíbrio,me paga outra dose e também mais uma do drink festivo pro Julius que parecia não necessitar,dançando rumba com a mesma mulher.(o d.j já não se divertia mais tanto.) Julius mandava bem na rumba.O cara era famoso...Me recordo de belas tiradas do Barbosão e dou outra bicada em um novo canto que eu arrumei pra encostar.Ela me vê e sente medo,o capacho vem logo atrás e já me conheçe...ela ainda não vem falar comigo.
(parar de beber nem tão cedo)
- O Azerbaijão está mesmo famoso.(eu penso alto,fazendo com que o barman que me atendia não queira continuar seu serviço e apenas venda uma Smirnoff Ice a uma bela jovem.)
Julius beija a menina!O D.j larga o seu posto!
...uma furtiva lágrima parece escorregar de seu rosto.
ela vem com coragem e capacho -Senti muitas saudades!Você falou que ia escrever!E o meu beijo???
Meus olhos se abaixaram antes que eu ordenasse que eles fizessem isso.(jack daniels dava as ordens)lá por perto do chão eu avisto o tal lacaio nanico imundo dos infernos que ela namor...é noiva!
Sorrio miúdo.
- Vai pra porra!

O garoto recbeu o Tarzan.Bate no peito,esbraveja e sangra pela voz com o peito aberto na minha frente...Sem pensar,meu joelho ( e o de Jack Daniels)encontra o seu estômago...
o filha da puta vomita.
Na minha calça nova.(era dia de pagamento,porra!)
Soco nas têmporas e eu só penso "que nome interessante,têmporas".Ela segura o bode trincado que eu era naquele quando.Não sei de nada e vaput,cambaleando W.C a dentro!Matematicamente eu aplico sua testa enorme na beirola da privada.Me recordo de um professor francês que dizia que o segredo para fixar todos os truques e segredos da profissão era a "repetición".E essa palavra grudada na minha mente virou berro insano e trilha sonora daquele quadro de maldade bruta:
Levando a massa cinzenta a pó : -Repetición!Repetición!Repeticón!Porra!!!
A menina era namorada do D.j e Julius não poupava tato.Passava-lhe tudo em tudo,redescobrindo territórios e conferindo a geografia da moça.O D.j então inconsolável de soluçar tenta revidar botando música brega,"ninguém dança música brega",só o Julius,a namorada do D.j e os meus dedos por dentro da goela do condenado...achei tanta graça.Tenho um humor peculiar,deve ser o convívio com os palhaços da Tonelero.

O meu copo de plástico.


Pois todos todos os que eu tive foram de vidro como os usuais,e se espatifaram em pequenos pedaços e apesar da multiplicação de suas unidades,quando não em conjunto de nada me serve,de absolutamente nada.
Quando anoitece gosto de fazer uma retrospectiva comentada do meu dia.E tem vezes que durante o dia eu me divirto tecendo retrospectivas comentadas de como foram os meus sonhos...que na verdade se baseiam,sem que eu saiba,na retrospectiva do meu dia...que por sua vez é povoado por resquícios dos meus sonhos...
Tenho 14 anos e me chamo Ernani,acho que o último que tiveram coragem de batizar nesse mundo de Raféis e Pedros que vivemos.Moro com o meu tio no alto de uma imensa colina somente povoada por nós e em certas tardes só por mim.Meus pais morreram em um acidente de helicóptero e meu tio me trouxe pra morar aqui porque havia prometido isso ao meu pai.Não na beira da morte mas na beira de uma mesa de sinuca.
-Germano você não presta...
- Se eu não presto você presta muito menos.
-Isso é bem verdade meu irmão.
-Mas saiba que se eu morrer quero que você cuide do meu filho.
-Eu?Mas eu nem tenho onde morar,estou de favor na tua casa faz dois anos.
-Ora,arruma uma casa!
-Mas onde?
- Sei lá,no alto de uma colina,foda-se.Você sempre arruma problema hein,putaquiupariu!

E cá estou eu,no alto desta colina,nem que país é eu sei.Nem o ano.Nem o dia.
Só sei do meu tio e dos filmes dessa televisão sem cor que meu tio me obriga a assistir enquanto ele fabrica medonhas dentaduras.

Boa noite Azerbaijão.Reflexões de um ilusionista carioca./primeiro momento.


"parente só é bom em porta-retrato"


A porra do telefone me toca lá pras duas,duas da madrugada.Era Julius e só havia de ser Julius,ou ele ou ou algum parente morrendo.Embora naqueles tempos já não havia sobrado ninguém,você sabe como é parente: sempre tem uma tia que inventa de morrer do nada.Ano passado mesmo teve uma.Me ligaram mais ou menos a mesma hora,"Tia Candinha".
Me liga a prima bunduda que morava em Sergipe e estava no Rio para cuidar da mãe :"Tia candinha","Tia candinha do bolinho de chuva"...morreu de pneumonia.Foda-se minha Tia candinha,seus bolinhos queimados e sua filha rabuda...
A nossa trupe regressava ao nosso lugar de origem no centro do Rio de Janeiro,era tudo muito organizado.Os palhaços vinham todos de Copacabana,eram irmãos e moravam num buraco calorento na rua Toneleros e por isso aderiram ao nome risível : "Los Hermanos Tonelero".Trabalhavam em troca de comida,cocaína,roupas e bebida(tudo do mais barato.)No trailler do lado,o novo domador de leão.Gastamos o dia inteiro passando todo o espetáculo para ver onde encaixaria melhor o seu número medíocre,que de tão capenga não se dava nem ao luxo de uma simples dança com o leão.Não fazem mais domadores como o velho Barbosa,que aliás morreu assim dançando com o leão.Seu Barbosa,o único que me entendia nessa merda aqui.
Odeio esse leão e suspeito que o novo domador seja viado.Pela tarde,enquanto penteava teleco, o meu parceiro de show e organizava minhas pombas em seus devidos lugares,eu olhei torto pro leão.Como passei a olhar desde que o puto deglutiu meu amigo Barbosa...(minha única fonte de conversa por aqui). Barbosão!Sujeito culto.Já muito respeitado em muitos circos do mundo no fim da carreira.Não me esqueço de seu sorriso amigavelmente banguela...
Ainda fitando com imensa saudade do Barbosão uma foto nossa eu fecho o meu trailler e caminho na rua noturna indo ao encontro de Julius no Azerbaijão,que na verdade se chamava "Hotn'ight's",mas era chamado Azerbaijão por mim e por Julius sem um devido motivo,apenas para podermos usar essa palavra com mais frequência em nossas vidas.Passo por um grupo de vagabundas mal-vestidas com tops coloridos e me recordo da contorcionista,que bebeu todo o meu uísque,me sedou no fim e foi dar pro Orlando.*(dono do circo)Não a crucifico.Fosse eu uma mulher gostosa como ela é faria o mesmo.A diferença está no fato de que ela se entrega a Orlando para poder abrir o espetáculo e ficar assistindo filmes antigos,ao menos a vagabunda é culta.
Eu faria melhor....