quarta-feira, 1 de julho de 2009

7.000 pés.






(Víktor, está sentado num banco preto e alto, de terno e gravata, ventiladores devem ser usados projetando um vento de baixo para cima, ao fundo uma música barulhenta e ágil, suas pernas e braços balançam para fora do banco esperneando desesperado, a luz está caótica e ele está com a boca escancarada berrando de desespero, com o tempo ele vai se conformando e relaxando, a luz e a música violentas, continuam, ele vai ficando entediado com aquilo, cruza os braços,a música vai abaixando, e ele ainda com cara de extremo tédio, tira do bolso uma banana, tenta comê-la com dificuldade, mas ela é puxada para cima e ele não consegue, passa certo tempo, e ele tenta jogar um gameboy, mas este é puxado para cima também. Música acaba)

Víktor:- Mas que merda! Estou aqui faz horas e é sempre a mesma coisa, mas que mesmiçe, tudo na paz, tudo tão tranquilo, nunca aconteçe nada, é um silêncio dos infernos, eu só ouço “Vum vum”.

E eu que tinha tanta coisa pra fazer, por que que eu fui resolver andar justo por ali ? Mas que erro!

Os sapatos! Ai! A culpa foi destes sapatos novos! Que eu comprei , são de um bom material sim eu admito, mas escorregam feito sabão, se eu estivesse usando sapatos melhores eu ainda estaria encima da ponte e não vendo ela se distanciar a cada vez mais a caminho dos céus( olha pra cima).

Se bem que esta ponte também não era das mais confiáveis, as cordas foram trançadas onde?

Deve ter sido em Itaperuna!

Eu não confio nas coisas feitas em Itaperuna, não senhor, não eu, tsc,tsc,tsc. Itaperuna nunca mais, desde o Natal passado.

Olha só um passarinho, que bonito!

Do que eu estava falando?

Passarinho...? Bonito...? Natal...?Ano Passado...? Ah sim!

Itaperuna!

No Natal passado eu comprei uns agrados em Itaperuna e os trouxe para a minha Luana...Luana minha esposa, tão bela tão meiga que já começo a sentir saudades, ainda bem que eu sempre carrego uma bela foto dela aqui no meu bolso que é pra fazer inveja nuns coitados lá no Bar do Souza...( pega do a foto que é puxada para cima)

Não! Luana! Mas que perda,que perda terrível!

( pausa)

Eu estou odiando isso, eu perdi minha Luana, que aliás foi quem me pediu para atravessar aquela ponte para buscar macadâmias, e eu , bem eu fui sem nem saber que porra que é macadâmia!

E não pense que eu não tentei avisá-la, mas ela disse como se não tivesse me ouvido.

_ Vai senão o nosso filho vai nascer com cara de Macadâmia!_

Eu disse : ótimo, Porque já que eu não faço idéia de como vai ser a cara do nosso filho tanto quanto eu não faço idéia do que diabos é macadâmia, pra mim os dois já se parecem o suficiente!

A mulher desandou a chorar feito uma doida, e eu tentei acalmá-la com voz bem controlada, que apesar de não saber o que é macadâmia, se ela a queria tanto é por que deveria ser algo bom...e quem não quer ter um filho que se pareça com algo bom?!

A mulher me deu um tapa que transformou o roxo em parte da cor da minha pele talvez para sempre ou pelo menos até que esta queda acabe.

A verdade mesmo é que Luana nunca me agradou de todo, me casei com ela mas acho que isso foi levar a sério demais um amor platônico, bem que minha mãe dizia que esta mulher ainda ia me matar, e cá estou eu...morrendo por ela!...( triste, roe unha)

Só fumando um cigarro...( o maço de cigarro é puxado para cima) Isso ia acabar me matando...mas e daí , se eu vou morrer mesmo mesmo.( estende os braços e tenta pegar o cigarro mas não consegue)

( pausa)

Comparando com o que minha vida foi, estar passando por isto agora é até...como posso dizer, interessante.

As núvens que sobem, os pássaros também, cair não é de todo mal...

Não estava realmente dando nada muito certo, pelo menos aqui tudo é paz...não há problema com dinheiro, com esposa grávida ou com a minha mãe que já está doente há anos, a verdade absoluta ...é que desde muito pequeno, meu sonho sempre foi voar, e embora a cada segundo eu esteja voando menos, eu estou voando!

E este vento é bom, fresco, minhas pupilas e pálpebras já se arreganharam e eu me sinto incapaz de piscar, oh Deus como é bom nunca fechar o olho e não perder um segundo só do mundo e a cada segundo eu provo que é melhor do que o segundo anterior, tão inspirador que...Oh! Não mas o que vejo?!

Então era isso o que era aquele monstro azul gigantesco que eu suspeitava estar debaixo dos meus pés, é o mar, e ele está comendo todo o ar debaixo de mim e logo vai me engolir por inteiro e sem dó, tenho que fazer alguma coisa, quero continuar a voar...pássaros o que devo fazer? ( bate os braços como asas).

Não adianta! Não adianta! O mar se aproxima, quase sinto o seu cheiro salgado de...de...morte!

Meus pulmões são fracos por culpa do vício do tabaco, não vou durar muito debaixo d’água...ai que horror, e eu...eu vou morrer, vou morrer e não fui capaz nem de trazer as macadâmias para a minha esposa, eu vou morrer e nem sei o que são maca...ploft!

( O banco é puxado, ele cai, barulho de água, luzes caem e música triste segue)

Fim.

Rodrigo de Arruda.


Primeiro e único monólogo que fiz.Criado para um ator com pouco controle de suas paixões e muito controle de seu corpo.