domingo, 31 de maio de 2009

Distinções ou ( A dos ursos)


A dos ursos...

Para iniciar uma reflexão,o primeiro funcionário do zoológico dirigiu-se com a cara cheia de dúvidas para o segundo.

(este que amamentava um filhote de coelho)



Gumercindo - Há neste mundo,gente para caralho,ou não?

Miranda -De certo que sim.

Gumercindo -Pode se querer que todas gostem das mesmas coisas da mesma forma?

Miranda -A unanimidade é uma utopia.

Gumercindo -Então,realidade é um conceito elástico,assim como certeza,gosto e opinião.

Miranda -Não queira começar pinimba alguma.(ele vai saindo para a segunda cela de animal como quem foge do amigo,e ergue um jabuti)

Gumercindo -Vamos lá,me ilumine.

Miranda -Iluminar?Eu te conheço...você dormia em toda aula de vagalume.Quer é bagunçar o coretto!Quer saber?Quando um não quer dois não brigam...mudemos de assunto.

Gumercindo -Tudo bem.(pegando outro o coelho na cela ao lado e amamentando o) Agora escute,vinha eu de ônibus para cá hoje pela manhã,quando vi algo que me balançou a vida toda...

Miranda -Hã.

Gumercindo -Só um pouco,meu telefone está tocando.(verifica e vê que não está) engraçado,eu sempre ouço esta porcaria tocar,até quando ela está no modo silêncioso eu sinto umas vibrações nos bolsos e pernas.E o pior é que quando toca mesmo,ou vibra,eu sou ruim de ouvir.Ouço só quando não toca...que maldição.

Miranda - Insanidade mesmo.

Gumercindo -Como eu ia dizendo.Eu estava vindo pra cá no 438 quando vi no meio da rua as tais luzes espalhafatosas de quando tem alguma autoridade por perto.

Miranda -Autoridade,polícia?

Gumercindo -Sim,autoridade polícia,mas mais significativo ainda...ambulância.

Miranda -Acidente é foda quando tem.(concentra-se em outra tartaruga)

Gumercindo -Pois é,e foi perto de uma blitz da lei seca.

Miranda -Rapaz,eu vi que pessoas paraplégicas trabalham nestas blitz...Fico pensando se não estão fazendo algum trabalho voluntário,vai que causaram danos...a terceiros em acidentes com bebida no transito.

Gumercindo -Deve ser isso mesmo.Ao menos eles mergulham encarando os seus traumas...impedindo que outros escorreguem no buraco onde eles escorregaram.


(Miranda medica alguns jabutis,volta para a cela dos coelhos.Gumercindo vai até os jabutis)


Gumercindo -e o que eu vi perto da blitz fez a maioria das pessoas de dentro do ônibus se levantar para tentar achar algum corpo estendido no asfalto.Não é horrível?

Miranda -Nego só queria saber o que é que tinha acontecido.

Gumercindo -Poxa,era acidente...estávamos caçando corpo!Caçando medo.Buscando olhar no rosto de uma desgraça,um desconfortozinho uma sacudidela n'alma.

Miranda-Você estava?

Gumercindo - Eu.Estava.

(parece que Miranda para tudo que está fazendo.Ele sai da cela,e ergue as mangas da camisa e a bainha da calça.A próxima cela para onde se dirige parece pantanosa.Ele respira fundo e vai entrando no lago imerso entre hipopótamos enquanto fala com paciência)

Miranda - morte pra você.É coisa séria?Só de falar nela?És capas de brincar com este conceito?Pensar sobre mortos-vivos,espíritos brincalhões,pós-mortem decepcionante?

Gumercindo -Sou bem.Bem o sabes.

Miranda -Então.Você só queria ter um encontro rápido com o real.Ver a realidade passando na rua de noite,pela janela de um ônibus.Como se visse um ator famoso que interpreta num sei quem em num sei que filme...você,que só via o personagem.Que só conheçe a morte de ouvir falar na vida,ou pela morte dos seus queridos quando isto vem a acontecer.(submerge,volta e dá verduras aos hipopótamos)Queria vê-la pela rua,que mal há em sentir terror?

Gumercindo - O cinema vive disto.

Miranda -O teatro vive disto.Nós vivemos disto.A segurança vive disso,o respeito vive disso...

(é chegada a hora e Gumercindo entra em sua última jaula.A dos ursos)

Miranda-Viste algum corpo?

Gumercindo(.Enquanto adentra a sela)-Não vi nada.No início,quando vi o poste caído,os estilhaços pelo chão,as famílias chorando.Eu só conseguia pensar em achar um corpo estendido...eu via as pessoas tremendo com o calor do momento que para mim não passava de banalidade.Uma dona,dessa eu não me esquecerei fácil,se descabelava com os olhos agarrados no céu deixando a entender que era mãe da vítima.O motivo das suas lágrimas já não estava ali provável...eu me senti pouco sensível,mas minha curiosidade brigava vorazmente com meu temor de ver...o morto.

(neste momento um dos ursos morde com violência extrema o braço esquerdo de gumercindo,este grita se desepera.Atormentado,aturdido,assustado.A cena é horrível,o sangue jorra,Gumercindo ensanguentado vai ao chão.O urso ainda está agitado.Miranda quando vê o que está acontecendo vai saindo da lagoa pantanosa,mas os hipopótamos se juntam e o peso só faz Miranda chafurdar)

Miranda - Estou indo Gumercindo.

Gumercindo -Miranda...agora eu entendo.O contato furioso com a existência que o Drummond falava...agora só...quando eu estou prestes a perder esse meu contato.Estou perdendo artérias,sangue,memórias.Miranda eu estou me esquecendo das coisas...só não vou me esquecer se me safar vivo de que estarei vivo,mas sem um braço!

Miranda -Eu...não...aguento...eles estão me esmagando!E sufocando nesta lama.Eu também consigo sentir o peso lancinante de existir....Se eu apenas pudesse, como você ouvir o telefone tocar quando não toca,sentir vibrar quando não vibra...eu estou sentindo as coisas como elas são!

Gumercindo (com os olhos horrívelmente arregalados)- Só agora eu entendo lou reed.

Miranda -Vou me sentir um merda se eu continuar vivo,sabendo que você morreu.Ou que perdeu um braço...ou que anda ouvindo Lou Reed!

Gumercindo - Há ou não gente para caralho no mundo?(enfraquecendo e sumindo)Realidade não é um conceito elástico.
Miranda - Não queira terminar pinimba alguma.(ploft com o corpo na lama.)



*contarei esta história sempre que me pedirem :" aí conta aquela...A dos ursos"

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ainda sobre a literatura caótica...


Já ouvi comentários de fundos maliciosos sobre a excêntricidade de minhas escolhas poéticas, e muitos destes tecelões acham o Djavan tranquilo.
Sugiro,por isso, que ouçam esta deliciosa canção que atende a categoria que eu chamo de samba turbulento ou catastrófico.

Numa esquina de Hanói

Um é par de dois
Quer ver, verás
Irei a ti pra viver
Depois morrer de paz
Ou não...
Quem saberá?
Ficarei sabedor se você temperou no sal
Ou se salobro nós
Me atiro, cívico
Aos meus amigos de varar a noite
Trazás nó cego, dirás
E eu rirei, pecador
No que você corará mais
E de cor entregarás
A minha alma viva e depenada para o satanás
Que enfim, quiçá lhe trai indiferente a mim
Que não lhe significa nada mais do que um lobo atroz
Perdido numa esquina de Hanói
Perdido numa esquina de Hanói
(djavan)

Lendo Moby Dick...


Sobre Bulkington,o timoneiro.
"Você parece divisar vislumbres daquela verdade mortalmente intolerável : a de que todo pensamento profundo e grave é apenas o intrépido esforço da alma para conservar-se na livre independência de seu mar,enquanto os ventos mais bravios do céu e da terra conspiram para lançá-la na costa traiçoeira e servil.
Mas como no sem-terra apenas reside a mais alta verdade,sem praias,infinita como Deus - assim é melhor perecer nesse ululante sem-fim,do que ser ingloriamente arremessado a um abrigo,ainda que ele seja a segurança!"



daí a vontade de ir-se embora.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

{caos} A literatura hoje precisa ser caótica.{caos}


partia eu pra cima de uma bela edição de Moby Dick.Capa bem dura,um puta baleião no meio,e água até as bordas.Cumprimentei o dono do sebo,com quem mantenho relação comercial intensa e perguntei-lhe o preço,isso depois de ter procurado por ele e não achado em parte alguma do livro...o cara não teve maiores dificuldades.Encontrou o preço e rápidamente diminuiu primeiro dois reais e depois mais outro real,cobrando 14 pelo clássico de Herman Melville,uma de minhas veias consumistas tremulou na minha testa causando um pequeno espasmo.Ui.
"Já leu?"Perguntou-me.
Respondi-lhe a negativa e o homem amaluqueceu-se.Levou os olhos para cima e sem parar de tirar livros de uma arca e depositá-los na vendinha disse,visivelmente lembrando-se dos prazeres que o livro já havia proporcionado a ele

-Este livro é do tipo de literatura que altera físicamente.Onde o sujeito para perseguir o seu objetivo,acaba sofrendo mudanças físicas,mudanças fortes.A literatura tem que te alterar no físico mesmo(deposita um Metamorfose no balcão),Walter Benjamin escreveu um livro defendendo o cinema pois os críticos da época estavam dizendo que cinema não era arte pois não era um produto único e sim multiplo e amplamente reprodutível.Mas não é isso que importa.Importa se a arte te ataca ou não,já leu Gilles Deleuze?
-ainda não,mas morro de vontade.
-O cara é foda.Diz que não se pode pensar cinema,diferentemente de como se pensa literatura,ou filosofia ou a porra toda,para ele é tudo o mesmo e deve ser pensado da mesma forma,o cara é foda.(dá um tapinha no metamorfose)
As pessoas se acostumaram a pensar literatura de uma maneira psicologica,através de significações,simbolismos...já vi muita gente dizer que o Samsa não virou inseto,que é metafórico,que é a posição do sujeito na sociedade,oprimido como um inseto:Uma porra.Literatura tem que alterar no físico mesmo,tem que ser caótico.Literatura hoje precisa ser caótica.

duas horas depois eu voltei lá e comprei a porra do livro...lábia é foda.

domingo, 24 de maio de 2009

massa cinzenta



massa cinzenta.



Daqui do início do século XXI,limiar da primeira década.Eu disseco uma cabeça jovem.Já sem idéias,oca mas de repugnância humana e com feições paternais,que me desconcertam a tal ponto que meu bisturi fica me escorregando da mão e caindo na bacia.Estou fumando e ouvindo João Donato.

Tenho sonhado em altíssima velocidade, por noite, vivo uma média de quarenta e sete histórias despreocupadas de seus finais e de intensidade na desenvoltura tão avantajada que minhas pálpebras têm rápidos espasmos noite a dentro.Vi sobre isto uma vez em um filme,e tanto o personagem quanto eu vemos este fenômeno com bons olhos.

O desgraçado que tive que tomar tanta coragem para analisar com dedicação científica,não devia sonhar com muita agilidade,isso é notável se examinadas as suas pálpebras.Também não carrega a expressão de quem em vida sonhou o suficiente.Inspira autoridade e cansaço.Dos sonhos que eu sonhei,será que algum já passou por esta cabeça?Sempre é possível: vivíamos no mesmo país,sujeitos a algumas mesmas influências nas idéias, ao mesmo Sol na carcaça.E além do mais,como tenho sonhado rápido,tenho sonhado muito e isto aumenta a probabilidade de termos tido já o mesmo sonho.

Quando recorto fora o tampão do topo da cabeça,consigo sentir cheiro dos raciocínios murchos que apodreceram e também de alguns desejos que morreram sem nunca se concretizar,para onde vão estas idéias que nunca se concretizam?Elas bóiam no cérebro enquanto você está vivo,mas e depois?Será que são tão do sujeito que vão embora junto com ele?Ou será que vão embora antes mesmo da morte: as idéias ficam guardadas na memória e quando a idade se adensa começam a escoar da pessoa, pelo xixi, pelas lágrimas e assim indo embora para tentar serem concretizadas pelas cabeças de outros?

As idéias não concretizadas são como os fetos abortados,a diferença é que o tempo de gestação de uma idéia só depende da memória do criativo e de sua afeição por ela,e quando penso afeição,me refiro a algo das profundezas da raiz desta idéia que vá condizer e ser irmão com algo das profundezas de quem a pensou,o parto só é feliz se quem vai parir já identificou o novo ser como um outro dele.Assim sendo,ao deixarmos de lado idéias que gritam para fazer parte da realidade,e têm muito de nós nelas,assassinamos possibilidades,dando razão ao mundo em detrimento a darmos razão a nós mesmos e as nossas opiniões,que quanto mais numerosas mais capazes de demonstrar ao mundo diversos aspectos de ser você.O João Donato acabou.

Está ficando tarde, assim que extrair este cérebro volumoso vou me deitar, estou curioso pelos meus sonhos,talvez dessa ansiedade dos segundos antes de dormir que eu vá sentir mais falta quando for dormir pela última vez.

Ele deita e ele morre

Mas nunca sentiu falta

Da tal ansiedade



*inspirado em Hamlet,inspirado no Samba da cabeça,inspirado em Sobre Café e Cigarros,e condizente com inquietações próprias.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Me começe para cima que aí eu não paro


abcissas

salpique o meu moi
no teu petit poi
e deixe de fora
as abicissas,
recorte as abcissas. (bordas de pão de forma)
explodindo pelos ares os conselhos tutelares
com orgias nucleares(napalm paulistana)

-só parte de mim te é beneplácita,
o resto é tramoia clandestina.Dissolva-me
mas toma cuidado,
excesso de moi
não tem vacina!

nos cadarços neurológicos tropeço,
cato cavaco na beira do precipício,
me conserve mas inove minha
forma.
Me termine mas estude meu início.
(if you start me up!)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

http://www.youtube.com/watch?v=pFIdwP4vbok

e seguindo o exemplo das tias mais generosas,dou aquela segunda fatia pra tu levar pra tua mãe,do pavê da tia Manuela,do bolo,da torta,do bem casado,da mousse...toma lá,pó levar.

por ter sido uma criança roliça,sempre mereci das tias as mais roliças fatias,do bolo,do pavê,da torta

http://www.youtube.com/watch?v=yXHqg6IIXvQ

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Um fado enfadonho


Cá lhe faço um fado chato, ó pá.

Com sotaque que eu não sei usar.

Vede o quão sou-te insolente

Nesta trova deprimente

Sobre motes que não sei cantar


Cá repito temas fúteis

nesta vã língua cabocla

de frívolos fados inúteis

netos dA Maria Louca:

a prole de João- Meia-Dúzia,


e antes um Vira da Prússia,

que um Ouviram do Ipiranga.

Tanto cacau,tanta manga!


Leves frutas a cabeça.


Proste o bacalhau na mesa,

E entorne um do porto já

Chame os primos do Irajá

E o tio ex-taxista. (Com mania de sambista)

E bote-os a gargalhar!


Vais ver a família lá!

Eu sou da família,ó pá!

Não me lanço a nau pro mar

Prancorar o meu juízo,

Não nasceu-me o dente ciso

Ainda estou bom pra pecar.

A sequência da adolescência é a adoleta,
nota que roleta perneta!

Rota-vírus de borboleta
e trota do estrondo : a corneta!

tiros (tinta)que me dispara a caneta.

tonteira


A criança
a Fortuna
O planeta
Contornam-se pela tontura.

A nega toda toda,
o barro quase vaso,
e o percurso do compasso:
pela tonteira.

A insistência do domingo
de dormir segunda feira
A cabeça
da menina do exorcista,
o caminho do relógio,
o centrífugo ciclista:
entontamento.

Só tonto,perplexo
de frágil reflexo
me persuado
persuado?
Ta certo assim?

Nu,no marasmo
rodando em torno de mim
nu,no maraca
e tu
furando o pudim.
Cartazes de
“fima noix galvão”
E rodas :

“-roda Murilo,roda Tião!”

Lapa de Bundas a Mostra

Casa de putas granfinas

Eu dobro minhas apostas

Que vagam no Estácio

Esses moços-meninas.


hormônio desarmonizada

das Gracys aborrecidas

vencidas pelo cansaço

deslizam no espaço e

divagam da vida.


Deitam e o corpo dilata

Monstro,moinho,menina

Nas tetas da mãe drogada

Aplicam labor

No ofício da sina.