quinta-feira, 6 de agosto de 2009

contra-senso e contra-fluxo





Wassily Kandinsky (1866-1944)
Transverse Line,
1923

Xotezin de Cachaça
: - Adrenalina!
  1. espaço: Avenida Presidente Vargas no centro do centro do Rio de Janeiro.
  2. Tempo : Horas caóticas do início de agosto de 2009.
  3. discurso motor - "Bens.Só quero os bens materiais,não to te levando alma como alguns capetas,não to te levando o tempo como alguns esportes e jogos,nem estou te levando as esperanças embora, como faz a filosofia e aqueles que muito pensam.O meu negócio mesmo é com os anéis,relógios,celulares,carteiras,brincos e adornos em geral."

Quem teve a sagacidade de notar a minha sagacidade - esse sim é sagaz pra caralho-pôde encarar o sorriso que me visita sempre quando roubo de alguém.

Meto o relógio dum cara que estava lendo no banco carona, Proust, e me lanço peito abertamente sem camisa na Presidente Vargas contra o fluxo iluminado dos carros .Acho essa cor de evenning uma puta coisa linda.Por volta das seis e pouca assim... nas luzes artificiais dos postes eu tenho que desviar ombros e pescoço nessa fuga aloprada com passadas gigantescas.Ai!Essa foi quase.
Incontáveis direções a se tomar,quantos modelos e cores de carro se repetem no lento desfile?Multiplico a minha presença entre para-choques e porta-malas,kombis,caminhões,motoqueiros, sambando em bons chinelos de dedo.Sou ágil,mas sempre perco as corridas que aposto contra a minha sombra asfalto a fora.Imensuráveis taps ecoam de meus pés e motoristas tentam ensinar motoristas berrando e buzinando!
Consigo(em um dos 600 retrovisores que cruzo) perceber que o otário só sente falta de seu relógio quando ele pra mim é passado e eu pra ele sou vulto.Não adianta mais,como ele acha que adianta,se levantar para ir em busca do objeto perdido que agora está confortávelmente repousado no meu bolso.As seis e pouca são um período de escurecimento das luzes naturais,os únicos caminhos iluminados estão repletos de energia elétrica como esta que sinto impulsionar meus joelhos.
A trilha é complexa, e se eu deixasse rastros no asfalto o chão da cidade teria aspecto muito semelhante a uma pintura de Kandinsky.Lambão me aguarda no início da Avenida Passos,faço a curva e dou carona a ele no meu trote sem breque.
Estamos correndo ombro a ombro na Avenida Passos em direção a Pça Tiradentes.O Rio de Janeiro mergulha na noite e nós somos a espuma da onda.

Já dentro de uma das vielas mais escuras e penumbrosas da região: Travessa das Belas Artes, Lambão arrebenta a cara no meio fio e foi meio feio.Aqui não tem risco então eu obrigo o meu corpo a parar.
Levanto o Lambão ensanguentado e raladíssimo com muitos machucados e lágrimas.
- Para com o choro moleque.Porra.
Descarrego lentamente tudo que consegui recolher nessa e na outra noite na mochila de Lambão.
- Olhaí Lambão, não vai rodar com essa merda toda não.Me ouve porra,para de chorar!Vai na barraca do Turíbio na Uru e vende tudo logo...(soluço e catarro)Vai te logo moleque feio.
Lambão tinha lábio leporino e não só por isso que era feio a beça,devia ter alguma doença mental daquelas que faz o sujeito não se importar de começar a babar,ganir ou se ferir com objetos metálicos,tanto que o garoto já tinha mais de três piercings no mesmo lado do rosto que agora sangravam perceptívelmente em sua retirada.
Breu estabilizado no coração de "Dez pras sete",que horário esplêndido também que é esse.Estes prédios enormes que de tão lindos mereciam pequenos suicidas dependurados nas janelas de cada ultimo andar.O céu já bem caido entre nós e o odor das lojas fechadas.Ou em processo de fechar,esse cheiro de pipoca com queijo tão ácido que me faz salivar...resta agora apenas traçar os planos para a última operação da noite,depois buscar o meu dinheiro de volta com o Lambão.Acho que vou matar o tempo em uma exposição ou tomando cachaça no cais.