terça-feira, 1 de junho de 2010


2

Mas liga não,mais tarde medica-se,derrama-se cachaça no ferimento e no ferido.Nos meus devaneios sempre se despeja cachaça,nem que seja para riscar fósforo em seguida.Um dos postes destrambelha à minha esquerda,uma fagulha me queima o rosto.O que é uma fagulha para quem


vive o incêndio?
vou deixar mostrando assim:
só o asfalto indo para trás de nós.

Eu inventei o Le Parkour sobre carros e mesmo assim sou triste.Não que eu gostasse que outros aprendessem a pedalar no ar como eu acabo de fazer,não.Sou triste porque gravo vídeos como esse me exibindo física,social e mentalmente.Sou mais um emo,esse gesto que meu braço faz,apontando a lente da objetiva para meu rosto é emo.Sou emo também por ser uma tendência efêmera,algo que não se sustenta em si,parasito o motor dos outros.Me movo na gasolina alheia.Sou emo porque todos os instrumentistas das bandas de emo sempre dizem que não são emo,e acaba que o emo fico eu sendo!

Olha,eu não desenvolvi essa forma de viver.De viver sempre viajando,entregue ao deslocamento constante,como sou de família circense tenho nas veias a vontade de ir-me.
Surfando lombadas,tirando tinta das ambulancias eu sou o último dos piratas urbanos!Mesmo que não muito bem da perna.

Vejam : deitada no banco de trás - uma grande garrafa de conhaque.É o que calará as fisgadas de minha perna.Me acocoro e as canelas rangem,a lataria daquela blaiser parece que não há muito tomou uma dose de cera.Tenho que ir com cuidado.Os chãos sempre a se mover,é preciso tino...
e tonus e...

{Huup!
Owçh!
Vapo-Vapo,Vultsh,trrrrrrrrr....caklash!}

- De onde esse cara veio,porra?!
pi.
(o vídeo retorna ao seu começo.E faz o mesmo quando chega ao fim na tela de um dvd que balança na blaiser.Chacoalha com o caminho e com os propósitos do motorista.)

a blaiser escura e monocórdea ronrona maquinal
a voz do emo no vídeo sofre interferência mais que
direta do transito infernal que o circunda.
mas ele e seu corpo são tão intrépidos que afligem,
machucam o senso comum do motorista da blaiser
que mal entende.E desse não entender cresce um
medo e desse medo uma inveja!


(o motorista retoma o vídeo sempre que ele acaba)

o motorista tem espasmos reflexivos aos
movimentos que o garoto executa nos vídeos.Piruetas,
passadas longas,estranho,estranho,estranho.

o motorista vira o corpo para trás e mete o punho no rosto
do rapaz que já acorda cuspindo uma bolha de sangue!
- de onde você vem?Como que faz isso que você faz?


1
Pulo sobre o capô dos carros que passam em aceleração constante.Salto de Picassos para Unos.Uns motoristas deixam que o susto lhes dê uma leve desgovernada.Sempre pensei em explorar o espaço com esses rodopios livres,
mas nunca havia tentado.Não assim,no teto de um ônibus,no teto de outro ônibus e com uma passada de elefante pousando num passat.
Infinitos carros trafegam,não faltará quem me conduza.Aos doze,pulava ondinhas no leblon,hoje voo sobre máquinas em alta temperatura,denso movimento e velocidade desembestada.
O risco da morte é muito mais parceiro neste esporte que pratico do que em outros,ping-pong como exemplo.Merda de quebra-molas.Com o risco da morte se acostuma desde o berçário e é comum também achá-lo comendo picles nos botecos do Flamengo.
Rasgo o céu com piruetas,desvio a nuca das lâmpadas dos postes elétricos e pouso em parafuso sobre um capô de uma kombi que me leva para trás como um corcel-esteira;60,80,120km/h indo de costas,o vento frenético me ergueria a saia se uma eu usasse.Cruzo as pernas,abro os braços sentado no sentimento de mobilidade.Estou no seio do efêmero,atravessando distâncias,cortando o caminho do vento,inundando esse ar brumoso e espesso da minha presença.Não sei se contrasto se reforço.Se me encaixo ou se disto.Só sei sentir
a graça de infinita transgressão espacial que se dá.
As paisagens se sucedem com abissal frenesi,perspectiva impressionista ao sabor do mundo da rua que é o mundo das máquinas.Porque lugar de gente é em casa ou é em calçada.Meu joelho fisga desde o começo mesmo,não devo dar atenção a esses clamores.Eu não tenho calçada e por conseguinte também não tenho casa e por me encontrar deslocado que eu resolvo me lambuzar de deslocamento e me entregar a movimentação constante.Huupah.





"eu não tenho onde morar
é por isso que eu moro na areia."





No topo desses carros,amiguinho.Eu sou e ia e fui simultaneamente.Nova pirueta,ajoelha-se no peugeot e deixa o joelho morrer de reclamar.Arre.Arreégua!