sexta-feira, 28 de março de 2014

Lucrécio Poeta - de Marcel Schwob, do livro "Vidas Imaginárias" - tradução Dorothée de Bruchard,editora Hedra








. . . Em meio `a morte total e necessária, ele vislumbrou claramente a morte única da africana, e chorou.
        Sabia que o choro tem origem num movimento específico das pequenas glândulas que ficam sob as pálpebras e são agitadas por um cortejo de átomos vindos do coração, quando este mesmo coração é tocado, por sua vez, pela sucessão de imagens coloridas que se desprendem do corpo de uma mulher amada. Sabia que o amor é causado pela simples expansão de átomos que querem se unir a outros átomos. Sabia que a tristeza causada pela morte não passa da pior das ilusões terrestres, pois a morta deixara de ser infeliz e sofrer, enquanto aquele que pranteava se afligia com os próprios males e pensava sombriamente na própria morte. Sabia que não resta de nós nenhum duplo simulacro para verter lágrimas sobre o próprio cadáver estendido aos seus pés.
Mas, conhecendo perfeitamente a tristeza e o amor e a morte, e sabendo que são imagens vãs quando as contemplamos desde o calmo espaço em que é preciso encerrar-se, seguiu chorando, e desejando o amor, e temendo a morte.
        Eis porque, ao regressar `a casa alta e sombria dos ancestrais, aproximou-se da bela africana, que cozinhava uma beberagem num pote de metal sobre um braseiro. Pois ela, por sua vez refletira, e seus pensamentos haviam remontado `a misteriosa fonte de seu sorriso. Lucrécio contemplou a beberagem ainda fervente. Ela foi clareando aos poucos e ficando igual a um céu turvo e verde. E a bela africana balançou a fronte e ergueu um dedo. Então Lucrécio bebeu do filtro. E em seguida sua razão sumiu, e ele olvidou as palavras gregas do rolo de papiro. E pela primeira vez, estando louco, conheceu o amor ; e durante a noite, por ter sido envenenado, conheceu a morte.