sábado, 11 de abril de 2009

Erasmo e Roberto - Cachaça Mecânica

c
Vendeu seu terno, seu relógio e sua alma,

E até o santo ele vendeu com muita fé.

Comprou fiado pra fazer sua mortalha,

Tomou um gole de cachaça e deu no pé.

Mariazinha ainda viu João no mato,

Matando um gato pra vestir seu tamborim,

E aquela tarde, já bem tarde, comentava:

Lá vai um homem se acabar até o fim!

João bebeu toda cachaça da cidade,

Bateu com força em todo bumbo que ele via,

Gastou seu bolso, mas sambou desesperado,

Comeu confete, serpentina e a fantasia.

Levou um tombo bem no meio da avenida

Desconfiado que outro gole não bebia.

Dormiu no tombo e foi pisado pela escola,

Morreu de samba, de cachaça e de folia.

Tanto ele investiu na brincadeira,

P’ra tudo, tudo, se acabar na terça-feira!

Vendeu seu terno...

E até o santo...

Comprou fiado...

Tomou um gole...

João no mato...

Matando um gato...

Naquela tarde...

Lá vai um homem...

Mantendo o nível alto,aqui nivela-se por cima!


CONSTRUÇÃOChico Buarque de Hollanda (1971)
Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado