segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

experimentalismo - o conto

experimentalismo - o conto.
samba antimercadológico.
-"Você precisa largar mão de todo esse anarquismo e abraçar uma causa,uma bandeira.Ao invés de explodir bombas a deus dará,tenha uma mira,foque."

Ora,disso eu e todos a minha volta sabíamos sobre o meu ímpeto.
- "Você em breve vai machucar um inocente querido com seus atos terroristas putões."
A cigana tinha toda razão já que fedia como os que têm razão.Por isso eu pingo 3 moedas de um em seu pandeiro e apertei os olhos,e apertei-lhe a mão,e apertei o passo para fora do mergulhão.
Emergindo no interior extrarodrigueano das ruas do centro.A quantidade e marra dos edifícios antigos da metrópole me danavam em pensações:ontem estive no enterro de um camarada e com uma grave incumbência dada pelo próprio: fazer tocar a música apropriada para o evento.O morto era um holandês com quem havia estudado em Stocolmo e me fez jurar que eu faria tocar frevo em seu funeral."Cabelo de Fogo" especificamente,que não é qualquer frevo,é uma serelepe saraivada metálica que descobrimos juntos em Olinda.
O cara abandonou a carreira musical em seus últimos anos de vida,criou estalactite nas cornetas e só concertava após o sexo a que forçava suas vítimas.Eu já havia visto um vídeo das barbaridades que esse conhecido praticava com as jovens incautas que aliciava com aquele papo mole de professor de Fugel Horn.Despia-as,ficava certo tempo admirando e compunha uma música mentalmente durante o sexo,quando a moça estava amarrada ele iniciava o concerto.
Gravei o cd as pressas,caprichei no luto,pus o minisystem no ombro como os rappers dos 80's e atravessei duas ruas até o cemitério onde se velava o músico.Encarei a família,disse que era pedido do ditocujo,agora estendido e duro no interior do caixão,algodões no naris e vermes a espreita.Pedindo a palavra ao sacerdote nada falei:apertei o play.O minisystem eu repouso com leveza acima da lápide de outro morto.O frevo fazia sua mágica.Choveram lágrimas,algumas perplexas,outras risonhas.Ninguém ali que eu conhecesse.Cumprida minha homenagem-promessa,voltei para casa e compus este samba antimercadológico que estou indo oferecer a Tonico,o interprete que mais grava as minhas canções em sua banda: "Os deuses vauvulados".Eu duvido que vocês já tenham ouvido "Tonico e os Deuses vauvulados" mas d"Os Pais da comiseração" vocês com sorte já devem ter degustado uma ou duas canções,então :Tonico é o batera de "Os pais...",e criou este projeto paralelo para abusar no experimentalismo musical."Os Deuses vauvulados"são um bando de ex-engenheiros,ex-rastafaris,ex-neurologistas que se reunem em busca de uma mais nova e mais complexa ambientação musical,apreciação de haxixe e xperimentações de natureza eletroacústicas.Gostam de rechear a textura das camas acústicas com inovações vanguardistas que viram os dias pesquisando.São uma espécie de cientistas musicais.

Seria o meu quarto samba na garganta desses viciados.O CCBB luminoso,a Candelária,este chafariz e o Sol espreguiçando e estalando o dedo do pé nesse começo de manhã.Eu não dormi compondo o samba.Ajustando termos a idéias,ritmos a significados.Léia não mais me ligou.Só isso já inicia a primeira nota de um belo bolero inexistente.Léia é uma gata que vive sua vida estepe das outras nove que deixara escorregar antes de me conhecer.

Léia é jornalista,manja de economia,geografia e política e portanto não assiste a globonews com o mesmo propósito que eu :
ter o conforto de saber que o mundo todo rola na mesma bosta.Se desviando dos ataques terroristas de Deus,ou do destino.Haitiano ou urso panda Léia, estamos todos nos extinguindo.
O olhar de Léia sempre mergulhou nos noticiários mais fundo do que o meu olhar na lepidez dos dedos do Mingus.Ou o meu olhar leitor de partituras e tabuletas,claves e tons.Talvez por isso nossa delícia de sexo precisasse ser acompanhado por um ancora engravatado.Apresentando vídeos enquanto ela soltava sua jaguatirica toda na minha cara.Me lambia,ronronava,me comparava com o Bush enquanto me arranhava em partes que até hoje doem quando me excito.Léia tem culpa também deste sambinha-marcha-antimercadológico.
Chego ao grande edifício de Tonico,vem um velho de regata furada.O velho me olha com cara de quem sabe que eu escolhi não ir pro céu.E continua me encarando sem dar bom dia ou enxotar enquanto segura a porta de ferro pesada para que eu possa passar.Desisti aos 19 de ir pro céu,percebi que lá deve estar infestado de evangélicos.Gente que aplicou financeiramente no imóvel imovível que é o céu,acima do cucuruto do mundo.E também,depois que me habituei a moda da sauna começei a figurar se o inferno é mesmo esse inferno todo.
"É sambão quente novo."
"De foder,Andrada.De foder você aqui nessa manhã.Senta."
(O samba gira exaustivamente no gravador,Tonico não se contém e baila só.Ele está de samba-canção e se agarra a uma caneca)
Vou tirar a barriga da miséria,esses doidos vão saber o que fazer com a minha música!
"Isto é a primadona do novo experimentalismo carioca,isto vai virar tendência.
Sem dúvida é o artigo final da sua belíssima série de choro psicopático.É como afogar Chopin."

Ele acende na boca um cigarro magro e barrigudo de maconha.Eu coço um canto da bunda com preocupação,meio que posso pressentir quando estão perto assim de me fuder.

"Entretanto."
Pronto.Tomei já."entretanto?"
"Waimaraners"
"??"

Com os grandes olhos empedrados no meu rosto,a boca meio derramada no espaço entre pêlos ruivos e pele rosa, ele me conta que sua nova empreitada é o estudo dos latidos dos cães,dos de grande,médio,pequeno porte.Com preferência estilística nos cães asmáticos de latido mais metálico.Me põe pra ouvir a versão de "Private Idaho" do B52's que ele e Olavão,o cara da aparelhagem,um paraense Hi-tech construiram após passar uma tarde na SUIPA.
Tremi pouco acima do olho esquerdo e questionei sobre a falta de letra nesta nova vertente musical que eles aderiam.Ao que ele me responde : "Ah,os poetas e seu apego nas letras."

Olavão chega esbaforido,sua cara é como a cara de muitos exceto nos momentos em que me lembra o Curtis Mayfield,por ser um negão de óculos pequenos.Abre a boca com sotaque paraense e diz que da pra ver da janela ainda.Tonico me deixa de lado e corre para a janela de onde veio Olavão.
Uma sombra turbulenta sacudia-se na parede.Ás vezes se dividia em duas,depois voltava a forma antiga.Unia-se,separava-se.Repetidamente e com ritmo por acelerar,mas com alguma paciência.Chegando mais perto pude entender então que eram duas crianças se acasalando num canto,como fazem os bem-te-vis,minhocas,cães ou gatos...

meu samba é antimercadológico,e é marcha.É marcha,pomba!

Fui automaticamente compreendido por Tonico.Olavão continuava a apreciar a foda,era frequentador desde os 17 do cinema íris,lugar para ele mais significativo do R.J.Vez ou outra gritava: "Bravo!" ou "lambe".O elenco não se encabulava,pelo contrário.Dava pra sentir o vigor dos corpos infantis se precipitando naquela manhã suada.
"Sinto muito cara,estamos de corpo e alma nessa dos cães"

O fedor da razão me tomou como um blackout assalta uma noite quente.Me despedi de ambos dizendo que tivessem boa sorte com o resultado de suas escolhas.
"Deixa de ser terrorista,Andrada" ousou o Olavão com a visão periférica,sem se desconsentrar do casal.
Eu já furibundo, rodo meus calcanhares na direção da porta.Fulminados Tonico e Olavão ostentam buracos em suas testas onde queimam duas balas.Olavão despenca despendiosamente janela a baixo ao mesmo tempo que Tonico cai aos meus pés.Superando o espanto e me esgueirando suspeitoso eu me encaminho até a janela onde posso ver o casal chutando o corpo de Olavão gritando coisas do tipo.
"pedófilo filho da puta"
Sobre a testa de Tonico lancei um leve escarro.Catei todo este material de montagem com latidos e grunhidos de bicho,e algumas fitas com gravações inéditas de muito bom gosto e fui embora dali.
Vou acrescentar os bons sambas ao meu repertório e vender estes fados latidos a uma rapaziada experimental lá de copacabana.Morrem os artistas fica a arte deles.

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