. .
. Em meio `a morte total e necessária, ele vislumbrou claramente a morte única
da africana, e chorou.
Sabia que o choro tem origem num
movimento específico das pequenas glândulas que ficam sob as pálpebras e são
agitadas por um cortejo de átomos vindos do coração, quando este mesmo coração
é tocado, por sua vez, pela sucessão de imagens coloridas que se desprendem do
corpo de uma mulher amada. Sabia que o amor é causado pela simples expansão de
átomos que querem se unir a outros átomos. Sabia que a tristeza causada pela
morte não passa da pior das ilusões terrestres, pois a morta deixara de ser
infeliz e sofrer, enquanto aquele que pranteava se afligia com os próprios
males e pensava sombriamente na própria morte. Sabia que não resta de nós nenhum
duplo simulacro para verter lágrimas sobre o próprio cadáver estendido aos seus
pés.
Mas,
conhecendo perfeitamente a tristeza e o amor e a morte, e sabendo que são
imagens vãs quando as contemplamos desde o calmo espaço em que é preciso
encerrar-se, seguiu chorando, e desejando o amor, e temendo a morte.
Eis porque, ao regressar `a casa alta e
sombria dos ancestrais, aproximou-se da bela africana, que cozinhava uma
beberagem num pote de metal sobre um braseiro. Pois ela, por sua vez refletira,
e seus pensamentos haviam remontado `a misteriosa fonte de seu sorriso.
Lucrécio contemplou a beberagem ainda fervente. Ela foi clareando aos poucos e
ficando igual a um céu turvo e verde. E a bela africana balançou a fronte e
ergueu um dedo. Então Lucrécio bebeu do filtro. E em seguida sua razão sumiu, e
ele olvidou as palavras gregas do rolo de papiro. E pela primeira vez, estando
louco, conheceu o amor ; e durante a noite, por ter sido envenenado, conheceu a
morte.
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