quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

última página do livro "A máquina diferencial" de William Gibson e Bruce Sterling. The Difference Engine,1991. Traduzido por Ludimila Hashimoto. Editora Aleph.


-Sou?- Ela ergueu o espelho e fitou-o.
No espelho, uma cidade.

Londres,1991. Dez mil torres, o zumbido ciclônico de trilhões de engrenagens a girar, todo o ar numa escuridão rompente, em uma névoa de óleo, no calor do atrito das rodas emaranhadas. Negros pavimentos sem emendas, incontáveis córregos afluentes para o curso frenético da malha perfurada de dados , os fantasmas da história soltos nesta necrópole ardente. Rostos da espessura do papel ondulam feito velas, torcendo-se, bocejando, tombando pelas ruas desertas, rostos humanos que são máscaras emprestadas, e lentes para um Olho esquadrinhador. E quando determinado rosto serviu a seu propósito, ele desintegra-se, frágil como cinza, explodindo numa espuma seca de dados, os fragmentos e as partículas que o constituem. Mas novas texturas de conjecturas vão crescendo nos núcleos ardentes da Cidade, ágeis e incansáveis fusos arremessados de laçadas invisíveis aos milhões , enquanto na quente treva desumana os dados derretem e misturam-se agitados pelo maquinismo, até formarem um esqueleto de pedra-pomes efervescente, mergulhado numa cera onírica que modela a carne simulada, perfeita como o pensamento . . .
   Não é Londres . .  . e sim praças espelhadas do mais puro cristal, as avenidas são relâmpagos atômicos , o céu um gás super-resfriado, enquanto o Olho persegue a própria visão através do labirinto, saltando fissuras de energia que são causa, contingencia, acaso. Fantasmas elétricos são lançados a existência, examinados, dissecados, iterados infinitamente.
   No centro desta Cidade, uma coisa cresce, uma árvore autocatalitica, em quase-vida, alimentando-se por meio das raízes do pensamento da rica decomposição de suas próprias imagens vertidas, e ramificando-se, por uma miríade de galhos-relâmpago , para o alto, rumo `a luz oculta da visão,
         Morrendo para nascer.
          A luz é forte,
         A luz é clara;
         O Olho por fim tem de ver a si mesmo
        A mim . . .
        Eu vejo:
        Eu vejo,
        Eu vejo,
        Eu
           !



Nenhum comentário: